É o quinto aniversário da eleição de Jorge Bergoglio para o trono papal. Foram cinco anos intensos e revolucionários. Entrevista com o Professor Massimo Faggioli, professor de História da Teologia na Universidade Villanova (EUA). A entrevista é publicada por Rai, 13-03-2018. A tradução é de Ramiro Mincato para IHU online.
Eis a entrevista.
Professor Faggioli, o senhor acabou de publicar um livro, Catolicismo, nacionalismo, cosmopolitismo (Armando Editore), que chega no quinto aniversário da eleição para o trono papal de Jorge Mario Bergoglio. Este cardeal, que veio do “fim do mundo”, surpreendeu a todos. Não foi avaliado entre o papáveis, não no Conclave em que foi eleito. Tentemos oferecer, de forma sintética, algumas chaves de leitura para compreender o pontificado e ver seu desenvolvimento. O papa Francisco é um papa “querigmático”, isto é, muito mais ligado à proclamação do kerygma evangélico do que à doutrina. Isso lhe criou não poucos problemas.
Certamente, também porque Francisco foi eleito em um momento em que, em algumas regiões do catolicismo mundial, como os Estados Unidos onde vivo e trabalho desde 2008, havia sinais de retorno ao tradicionalismo anticonciliar, segundo o qual, os pontificados de João Paulo II e Bento XVI eram a palavra final e definitiva sobre o catolicismo, e eram pontificados de “correção” do Vaticano II e do pós-Concílio. Francisco é filho do Concílio e do pós-Concílio, e é uma prova de que o catolicismo continua nos caminhos indicadas pelo Concílio Vaticano II: a pastoralidade da doutrina e a centralidade da proclamação do Evangelho de Jesus Cristo.
O kerygma se anuncia com a misericórdia. Mas a visão de Francisco não é apenas espiritual, é também social. Como se desenvolve esse aspecto?
Francisco se opõe à rejeição da teologia da libertação como rejeição à encarnação do anúncio: a fé cristã não é desencarnada e indiferente às condições materiais e existenciais daqueles que recebem o anúncio. Francisco retoma o ensinamento de Paulo VI sobre a evangelização, no sentido que não descarta a importância da humanização do ser humano. Pregar o Evangelho aos homens e mulheres do nosso tempo, fingindo não ver os fenômenos sociais e econômicos da desumanização, é blasfemo.
A onda de misericórdia de Francisco “investe” a Igreja. Na sua opinião, essa lógica foi incorporada à estrutura viva da Igreja? Ou seja, é este o “rosto” da Igreja?
Ainda não foi totalmente recebida pela igreja, mas isso não surpreende. Francisco nunca teve um plano para a reforma institucional, mas tem uma ideia de reforma no sentido congariano (de Yves Congar, o mais importante teólogo do Vaticano II), que envolve tempos longos, conversão de mentalidades e de cultura. Da igreja da misericórdia, não acredito se volte atrás: Francisco desenvolveu um discurso que parte de João XXIII.
Este é um papa “político”. Isso não contrasta com sua figura querigmática, que procura derrubar muros e construir “pontes”? Qual foi o resultado mais interessante da diplomacia de misericórdia?
Diria que foi o contributo do final do embargo americano contra Cuba. Foi o resultado de esforços diplomáticos de muitos anos, com um papel da Igreja Católica muito delicado politicamente, não só em Cuba, mas também nos Estados Unidos. Mas há muitas outras áreas do mundo em que a diplomacia vaticana joga um papel importante e oculto.
O próximo grande desafio para a diplomacia da misericórdia será a China. Você concorda com este ponto?
Eu acredito que sim. O desafio mais importante para a Igreja Católica não é a liderança chinesa ou o Partido Comunista Chinês, mas a China como um país e a Ásia como um continente. Certamente as reformas constitucionais em curso na China (o presidente eleito para a vida) podem complicar os próximos passos, mas o desafio é esse, e acredito que serão tomadas medidas no futuro próximo.
Francisco é o Papa da crítica ao capitalismo. Hoje, nem mesmo na chamada esquerda histórica se ouve falar de críticas ao capitalismo. Em vez disso, está presente, como elemento antimoderno, na direita populista. Tanto que os detratores do Papa o acusam de pauperismo populista. Qual é o seu pensamento?
Mesmo João Paulo II e Bento XVI criticaram o capitalismo, mas a crítica de Francisco é mais radical, porque vem de uma área do mundo que vê o capitalismo global de maneira diferente, menos positiva do que vemos na Europa ou nos Estados Unidos. Nisto Francisco fala um idioma que é o da maioria dos católicos do mundo, que não moram na Europa ou nos Estados Unidos. A encíclica Laudato Si’, na análise da relação entre política e economia hoje, é uma das páginas mais interessantes e corajosas do pontificado.
Em que esfera as ações de reforma do papa encontram e manifestam limites?
A igreja deve de dar algum tipo de resposta à questão do papel das mulheres na igreja: o diaconato feminino é agora uma questão madura, em termos teológicos, e disso depende muito do futuro da igreja. Não existe um plano de reforma institucional da Cúria Romana, porque não responde à visão bergogliana de reforma espiritual, mas também pela dificuldade de reformar o governo da igreja. No início do pontificado, havia o projeto de uma nova “constituição apostólica” para substituir o Pastor Bonus de João Paulo II (1988), mas, há alguns meses atrás, este projeto foi abandonado. A reforma da mídia deixa a desejar: que o papa já não tenha um verdadeiro porta-voz (e não por culpa dos diretores da Sala de Imprensa do Vaticano) é coisa séria e perigosa, como vimos durante a viagem ao Chile, por exemplo.
Sobre o Ecumenismo tenho a impressão de que o Papa está à frente do povo de Deus. Exagero?
Não saberia: sobre o ecumenismo para o Oriente cristão certamente sim. Mas isso é verdade também para os seus antecessores. Francisco tem menos familiaridade com as igrejas da Reforma, conforme se pode ver em alguns documentos, pelo modo de citar documentos de fonte não católico romana. A novidade em Francisco é que o Papa vê e experimenta “fronteiras” e divisões dentro da Igreja Católica, não menos dolorosas que entre igrejas diferentes.
Exatamente no aniversário do quinto ano de pontificado recebe uma carta do Papa Emérito. Bento XVI considera a crítica da falta de preparação de Francisco como ” tolo preconceito”, afirmando que existe uma “continuidade interna” entre os dois pontificados. Como você julga este movimento de Bento?
É uma jogada muito importante, que diz muito sobre o alto “sentido da igreja” de Joseph Ratzinger. Mas receio que essa carta não será ouvida por aqueles que se dizem ratzinguerianos sem ter título.
Se você tivesse que escolher uma imagem emblemática desses intensos anos, que imagem você escolheria?
A do Papa com os encarcerados e encarceradas que se pergunta: “Sempre que entro em uma prisão, me pergunto: por que eles e não eu”.